Posted on 24/02/2020 by Ana Cristina Da Costa Diniz

Autoestudo: compreensão de si mesmo - Svadhyaya


Autoestudo: compreensão de si mesmo - Svadhyaya

Svadhyaya – autoestudo, compreensão de si mesmo

Para a maioria de nós um novo ciclo está a começar, as férias terminaram e recomeça o trabalho, os deveres, a atividade física, a escola.

Faz sentido que recomecemos dando prioridade ao estudo e conhecimento de nós próprios, do que sentimos, do porquê de reagirmos de certo modo, de identificarmos as nossas forças e também as nossas fragilidades e a partir desse conhecimento de quem realmente somos talvez abrir caminho para um percurso de vida melhor.

Nunca é demais referir que o yoga não é só posturas físicas e que na sua base estão as disciplinas éticas. De acordo com uma escritura antiga, os Sutras de Patañjali, a ética é o fundamento do yoga. Patañjali foi um sábio e gramático da Índia que compilou um dos documentos essenciais para o estudo do Yoga – Os Sutras de Patañjali. São aforismos, máximas com um sentido profundo, versos em sânscrito que servem na perfeição o propósito da reflexão.

São aí referidos os yamas (5 princípios éticos para com a comunidade onde nos inserimos) e os niyamas (outros 5 princípios éticos para connosco próprios).

Os yamas são: (ahimsā – não violência); (satya – a verdade); (asteya - honestidade ou não roubar); (brahmacarya - coerência na vida relacional e sexual); (aparigraha – não apego ao que nos faz sofrer). Os niyamas são: (śauchaṅ - purificação); (santośa - contentamento); (tapas - autodisciplina); (Īśvara praṇidhāna – entrega à Vida); (svādhyāya -  estudo das escrituras do Yoga e de si próprio).

Svadhyaya é um excelente ponto de partida para um novo ciclo de vida e tarefa nada fácil de cumprir.

Sva significa eu, o próprio. Adhyaya significa estudo, educação, leitura. Portanto poderíamos contemplar este termo e traduzi-lo como autoestudo ou educação de nós próprios.

Realmente aprendemos tanto do mundo de fora de nós, academicamente são tantas e tão diversas as matérias que estudamos, aprofundamos conhecimentos específicos sobre o que nos interessa, o mundo da política invade-nos a toda a hora, chegamos a conhecer a vida pessoal de figuras públicas, mas e nós? Será que nos conhecemos o suficiente? Será que sabemos mesmo o que queremos? Avaliamos o nosso comportamento e as nossas emoções? O nosso autoconhecimento é suficiente para controlarmos uma ação nossa que se avizinhe?

Svadhyaya é o estudo que conduz ao conhecimento de si próprio, é a busca do saber interior, é o encontro com a intuição.

Não necessita de ser encarado apenas como meditação e parte integrante do yoga, qualquer atividade que cultive uma consciência de autorreflexão pode ser considerada Svadhyaya, por exemplo pintar, tocar ou fazer voluntariado podem levar-nos a sentir e a tomar conhecimento de aspetos mais escondidos de nós próprios. Estar atento a essas nossas particularidades é Svadhyaya e implica a intenção de descobrirmos e aprendemos sobre nós.

É estarmos atentos a nós nos bons e nos maus momentos, sabendo que é normalmente quando as coisas pioram que temos maior oportunidade de aprender sobre como e quem somos.

O estudo sobre si mesmo faz-nos ter consciência nos nossos pontos fortes, mas também das fraquezas, inclusive podemos estudar os nossos hábitos e tendências, ter consciência da natureza dos nossos pensamentos.

Svadhyaya exige honestidade (satya), disciplina (tapas), compaixão e uma prática de não violência (ahimsa).

Se descobrimos as fraquezas é importante que não sejamos violentos para connosco nem nos olhemos com julgamento ou crítica, pelo contrário o convite é para aceitarmos as nossas limitações e chegarmos tão próximos de nós que possamos ver a raiz da nossa impaciência, das nossas falhas, da revolta ou aversão.

Cultivar o entendimento e a compaixão pelas condições que moldaram as nossas crenças e comportamentos é positivo e permite desenvolver competências para lidar com as situações. Acresce que o grau de compaixão e aceitação que conseguirmos ter por nós é equivalente ao grau de tolerância que conseguiremos ter pelas falhas e limitações dos outros.

Com Svadhyaya compreendemos a natureza da nossa alma.

Contudo este conhecimento de quem somos tem também um significado mais profundo e aponta para reconhecer que somos parte do Todo e do universo, somos feitos da mesma matéria e não apenas seres individuais distintos. No mundo ocidental Svadhyaya é reconhecido como psicoanalise mas o yogi de tempos idos tinha mais em mente do que isso exclusivamente. Refere-se que temos a nossa identidade individual mas tal como se fossemos ondas de um oceano a consciência individual nunca está separada de uma Consciência Infinita. No seu sentido mais profundo e original o objetivo de Svadhyaya é possibilitar essa experiência de união com o que é divino.

Svadhyaya pressupõe também a leitura de textos de yoga e refletir sobre eles; existem em  grande quantidade, nomeadamente “Hatha Yoga Pradipika”, “os Sutras de Patanjali”, o “Purusha Sukta”, o “Bhagavad Gita”, a ”Mandukya Upanishad”. A interpretação destes textos indianos antigos é difícil e não é unânime; interessa ver se verdadeiramente os entendemos e pensar como os conceitos nos tocam, se fazem sentido para nós, se nos identificamos com eles, se refletem a nossa experiência, se vale a pena aplicá-los à nossa vida.

Na tradição mais antiga Svādhyāya é uma análise diária de escrituras sagradas contribuindo para o desenvolvimento da própria pessoa. É sobretudo a prática do estudo de Si próprio (grafado com maiúscula), ou seja não apenas de nós próprios na nossa forma física usual, do nosso ego, de quem nos consideramos, do que apreciamos e do que não gostamos, mas essencialmente da nossa natureza mais profunda, infinita, do divino dentro de nós.

Procura-se ir mais além do “eu” que se diverte, que se preocupa em sobreviver, que pensa nas questões mundanas da vida, do “eu” que julga, analisa, se amedronta, duvida, condiciona, e cuja mente está maioritariamente agitada e com pensamentos múltiplos. Conseguir ir mais profundo, sentir a nossa verdadeira e bela essência, o nosso Ser que reside no íntimo é o verdadeiro objetivo de Svadhyaya.

Os poetas e sábios da era védica, existentes há milénios atrás falam de Purusha (o Ser cósmico), uma Consciência Infinita, procuravam uma visão intuitiva Dele, que se consegue obter quando a mente está clara, tranquila, transparente, sem pensamentos oscilantes que a distraiam e é nesse ponto de quietude que talvez possamos construir essa ponte que liga o finito ao Infinito.

A prática de yoga no tapete é muito reveladora sobre nós próprios, através da observação de como estamos nas posturas, vendo onde vagueia a mente, como está a respiração,  até onde estamos dispostos a trabalhar a força muscular, qual o nosso nível de frontalidade, de tolerância,  os nossos tempos de permanência, analisando o nosso ego, a nossa honestidade ao praticar. Isso é Svadhyaya e é ao mesmo tempo revelador de como vivemos a nossa vida também fora do tapete. Contudo é na meditação que verdadeiramente discernimos e tomamos contato com o nosso verdadeiro Eu.

Assim, fica o convite a vivermos e a praticarmos yoga, observando o que sentimos e porque sentimos, estando completamente presentes e conscientes, questionando as nossas ações, vendo o que verdadeiramente queremos para nós neste momento da nossa vida, vermo-nos a nós próprios como realmente somos, estando abertos à mudança e tendo sempre presente que o autêntico conhecimento e as respostas veem de dentro e não de fora.

“Yoga is the journey of the self, through the self, to the Self” - The Bhagavad Gita

“Yoga é a viagem da própria pessoa, através do seu “eu”, para alcançar o verdadeiro “Eu” - Bhagavad Gita


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