Posted on 24/02/2020 by Ana Cristina Da Costa Diniz

OM - O mantra dos mantras


OM - O mantra dos mantras

Quando pensamos em Yoga, associamos muitas vezes ao símbolo OM , esse belo grafismo que tantas vezes vemos no mundo que nos rodeia, seja em roupas, pendentes, anéis, tapetes, etc. 

 Entoado, pintado, enaltecido por tanta gente que o admira, creio que o seu pleno significado é ainda bastante desconhecido. 

Desde o início da minha prática de Yoga e de alguns estudos que tenho desenvolvido, sempre me intrigou o que realmente significava o OM. Feita a descoberta, não a considero matéria fácil, mas partilho com todo o carinho esperando que traga luz para os leitores que nisto tiverem interesse.

 Este artigo tem por base informação recolhida essencialmente em escrituras antigas do nosso Yoga, ou seja a Mandúkya Upanishad, Tattvabodhah e Hatha Yoga Pradipika. 

Então vamos a isso.

 

“O OM é o mundo inteiro. O passado, o presente, o futuro: tudo é o mantra OM”

 

Mandúkya Upanishad

   

OM é, em traços gerais, o símbolo do hinduísmo e do Yoga, é o mais poderoso e importante dos mantras, a semente que fecunda todos os outros mantras, é a representação sonora que simboliza a vibração primordial do Universo, o movimento que engendrou os primeiros ritmos no cosmo, é o corpo sonoro do Absoluto (Shabdabrahman), é o som do infinito.

 
O OM desenhado designa-se por ômkára e ele deve ser sempre escrito / desenhado, na sua totalidade, da esquerda para a direita. 

 OM em Devanagari (alfabeto indiano usado para escrever em sânscrito, a língua antiga da Índia).

  

Na Índia, o mantra OM está em todas partes. Hindus de todas as etnias, castas e idades conhecem perfeitamente o seu significado. Sabem que OM é a vibração primordial, o som do qual emana o Universo, a substância essencial que constitui todos os outros mantras, sendo o mais poderoso de todos eles, creem que é o gérmen, a raiz de todos os sons da natureza. Ele ecoa desde a noite das idades em todos os templos e comunidades ao longo do subcontinente indiano.

Quando se entoa o mantra OM a nota musical não é importante, será como melhor se sentir e for mais adequado para quem entoa.

A cada um dos chakras existentes no corpo está associado um bija mantra, ou seja um mantra semente. O bija mantra correspondente ao ájña chakra localizado no intercílio, ponto entre as sobrancelhas, é o OM; entoando e mentalizando este som estamos também a estimular a nossa intuição (buddhi).

Ele é formado pelo ditongo das vogais “a” e “u” e a nasalização é representada pela letra “m”, daí por vezes aparecer escrito AUM. As suas 3 letras (a, u, m) correspondem aos 3 estados de consciência: vigília, sono e sonho.

“Este Átman é o mantra eterno OM, os seus 3 sons a, u e m são os 3 primeiros estados de consciência, e estes 3 estados são os 3 sons”

Maitrí Upanishad

 

A Mandukya Upanishad é a mais curta das Upanishads - as escrituras hinduístas que fundamentam o Vedanta (Vedanta debruça-se sobre o homem como tema de conhecimento e defende que a sua felicidade reside numa total liberdade sem limitações, obtida através da maturidade emocional e do autoconhecimento, através do questionamento e compreensão das questões). Escrita em prosa, consiste em doze parágrafos explicando a palavra sagrada AUM (OM), os três estados de consciência (vigília, sonho e o sono profundo) e o quarto estado transcendente de iluminação, denominado turiya ou caturtha, em sânscrito.

Faço aqui um parêntesis pois, de entre os vários termos que vão aparecer em sânscrito, dois deles opto por esclarecer desde já: Brahman e Atman.

Brahman é a realidade absoluta considerada como “aquilo” (tat), algo externo a nós, superior a tudo o que existe. O Atman é a essência interna da pessoa, o Eu mais profundo, que se diferencia do corpo, das forças vitais, dos órgãos de ação e dos sentidos, da mente, de tudo o que se vivencia e daquilo que nos lembramos, algo permanente, inalterável, que é o núcleo da consciência.

Um dos mais profundos ensinamentos das Upanishads é que o Atman é Brahman, ou seja, que cada um de nós é, essencialmente, a realidade absoluta – e que isso pode ser vivenciado.

O tema central da Mandukya Upanishad é a tentativa de esclarecer a natureza de Atman (o Eu mais profundo) e de Brahman (a realidade absoluta), e para isso ela aborda dois tópicos: o mantra OM e os estados de consciência: (1) O estado desperto, (2) o estado de sono com sonhos, (3) o estado de sono sem sonhos... e o quarto estado (caturtha ou turiya).

Estudemos, então, os estados de consciência.

São quatro as condições (pada) de Atman; três que se assemelham e uma quarta que se diferencia, e este quarto aspeto, no período das Upanishads (são 123 livros e não se sabe ao certo a data em que foram escritos, as estimativas vão dos séculos XVI a VII a.C.), é considerado como superior aos outros três.

Os 3 primeiros estados são:

1.

“O estado desperto (jagarita-sthana), conhecedor (prajna) dos objetos externos, que tem sete membros e dezanove bocas, e cujo domínio é o mundo da manifestação grosseira, é a primeira condição (vaisvanara).”

Neste estado a pessoa está voltada para o exterior, capta o mundo constituído pelos 5 elementos grosseiros (éter, ar, fogo, água, terra); e esse mundo externo é comum a todos os homens. As dezanove bocas são as portas que estabelecem contato com o exterior, como os órgãos dos sentidos, de ação, 5 forças vitais, mente, sabedoria, pensamento, individualidade.

2.

“O estado de sonho (svapna-sthana), o conhecedor dos objetos internos, cujo domínio é o mundo da manifestação subtil, é a segunda condição – taijasa.”

A pessoa está voltada para o interior, voltada para dentro, não está em contato com os objetos materiais, mas sim com os subtis (pravivikta).

3.

“Quando aquele que dorme não deseja nenhum objeto nem vê nenhum sonho (svapna), cujo domínio é o mundo do sono profundo (supta) no qual a experiência se torna unificada, que é um conhecimento informe, que tem a experiência de beatitude (Ananda), é o caminho que leva ao conhecimento dos dois outros estados, esta é a terceira condição, prajna.” 

Estado de dormir, onde não se deseja nada nem se vê nenhum sonho. Sono profundo. Sono sem sonhos. A pessoa não tem desejos, nem sonha, o que o distingue claramente do segundo estado. É um estado vazio, de inconsciência, de mero conhecimento, um conhecimento que não aponta para nada além dele próprio e está acompanhado pela experiência da beatitude (Ananda). Consiste em felicidade profunda.

O conceito de Ananda é fundamental nas Upanishads, sendo um dos atributos de Brahman. Ananda é uma felicidade plena, na qual não existe mais desejo porque se atingiu um estado de completa realização, no qual nada mais falta. Este terceiro estado designa-se prajna, que significa inteligência, conhecimento, sabedoria.

4.

O quarto estado é descrito a seguir:

“Nem conhecedor interno, nem conhecedor externo, nem conhecedor de ambos, nem um conhecimento informe, nem conhecedor, nem não-conhecedor. Não pode ser visto, é impraticável, impossível de ser captado, indescritível, impensável, indefinível. A essência da consciência (pratyaya) do Eu (Atman) uno, a aquietação do universo, o pacífico, o auspicioso (Siva) sem dualidades, é pensado como o quarto (caturtha ou turiya). Este é o Eu (Atman), este deve ser vivenciado.”

Este quarto estado mental é diferente dos 3 anteriores: não é nem estado desperto, nem o de sonho, nem o de sono sem sonhos.

  • A primeira característica do quarto estado é:  Eka-atma-pratyaya-sara

Eka significa um, a unidade, indivisível;

Atman é o Eu mais interno;

Pratyaya pode significar convicção, certeza, consciência;

Sara significa poder, força, firmeza, energia, a substância ou essência de algo.

Traduzindo ficaria: “A essência da consciência do Eu uno”, enfatizando que o Atman não tem partes e que seu poder essencial é a consciência.

  • A segunda característica é prapanca-upasama

Prapanca significa manifestação, expansão, universo, mundo visível;

Upasama significa cessação, calma, aquietação.

Assim prapanca-upasama pode ser traduzido como “um estado no qual o universo se aquieta.”

  • As três últimas características do quarto estado são as seguintes:

Santa, que significa tranquilo, calmo, livre de paixões, em paz;

Siva, que significa auspicioso, benevolente, e que é também o nome da divindade Shiva, que representa simbolicamente a consciência interna imutável;

Advaita, que significa sem dualidade.

Neste quarto estado é possível ter uma experiência direta do Atman, do Eu mais profundo, que é idêntico a Brahman. Atingir este quarto estado é de extrema importância dentro da tradição espiritual indiana.

O quarto estado de consciência não está associado a nenhuma das partes da sílaba OM, e sim ao OM como um todo.

O estado desperto e o de sonhos são semelhantes: em ambos ocorrem sensações e ações. No entanto, no estado desperto as pessoas interagem com o mundo externo. No sonho estão a interagir com o seu mundo interno individual, subjetivo; parece tão real como o estado de vigília, mas durante o sonho as pessoas não estão cientes de que estão a sonhar.

Nos estados usuais de consciência, a atenção está voltada para o exterior ou para os processos internos. A mente está repleta de conteúdos provenientes das sensações, das lembranças, dos pensamentos, que produzem desejos, temores, sofrimentos e prazeres. De acordo com a conceção psicológica usual, as pessoas identificam-se com esses processos mentais, se eles cessarem, não resta nada, há um aniquilamento. No entanto de acordo com o pensamento das Upanishads, o Eu (Atman) é algo independente desses conteúdos mentais, é a testemunha, a consciência, o observador que está ciente desses processos. Mesmo quando esses processos cessam, permanece uma consciência pura, que pode estar ciente de si própria, sem que isso envolva um processo de pensamento.

Este Eu mais interno é o próprio Brahman, o Absoluto, que pode ser caracterizado como realidade-consciência-beatitude (sat-cit-ananda). A palavra Ananda, normalmente traduzida como beatitude, representa um estado de realização perfeita, uma felicidade completa, na qual nada falta.

Há uma cessação de toda a dualidade, por isso é impossível tanto ter sensações como até mesmo ter pensamentos.

Para a maioria de nós, no período do sono profundo sem sonhos não existe consciência de nada e parece apenas um intervalo de tempo totalmente vazio, após o qual acordamos felizes e a dizer que não tivemos consciência de nada. Porém, um aspeto essencial da análise dos estados de consciência das Upanishad é a possibilidade de estar consciente durante o estado de sono sem sonhos.

Existem técnicas de Yoga que permitem atravessar as mudanças de estado sem quebra de consciência, é o que torna possível ao praticante ter vivência a respeito do estado de sono sem sonhos, que não é uma mera ausência de consciência, ou vazio e sim uma vivência extremamente elevada de Brahman-Atman, embora passageira. As vivências que podem ser obtidas nesse estado de sono profundo consciente são um tipo de samadhi (iluminação).

No quarto estado (caturtha ou turiya) o yogi ou yogini consegue continuar a perceber o seu Eu, enquanto mantém uma consciência da sua verdadeira natureza consciente, a sua atenção fixa-se na beatitude, na luz brilhante do conhecimento puro. Mantendo-se no centro de tudo, essa consciência permeia os 3 estados.

Feita a explicação, retirada das escrituras sagradas do yoga e de ensinamentos de vários estudiosos ao longo dos tempos, resta desejar que de algum modo tenha sido percetível e traga uma nova ou renovada consciência ao entoarmos o grande mantra OM, denominado de aksara – imutável, por ser eterno, imperecível, inalterável, representando assim a realidade que está além dos fenómenos mutáveis, que é Brahman.

OM

Cristina Diniz / Professora de Yoga / diniz.anacristina@gmail.com / 913932157


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